O TRALI está se instalando…e agora ???

Quadro Clínico Inicial do TRALI, Ponto de Corte Diagnóstico e Protocolo de Conduta Intensiva Imediata


1. Características Clínicas Iniciais do TRALI: Fase de Suspeição Precoce

O TRALI não se inicia como uma insuficiência respiratória abrupta já estabelecida. Há uma fase inicial sutil, frequentemente negligenciada, que precede o quadro completo. Esse período deve ser atentamente reconhecido como zona crítica de vigilância.

1.1 – Início Temporal:

  • Ocorre tipicamente entre 30 minutos a 2 horas após o início da transfusão;

  • Casos mais tardios podem surgir até 6 horas após o término da infusão.

1.2 – Sinais e Sintomas Iniciais (Quadro Clínico Sentinela):

  • Dispneia súbita leve ou desconforto torácico (em repouso, sem relação com esforço);

  • Ansiedade não habitual ou sensação de “falta de ar” inespecífica;

  • Taquipneia > 22 irpm, saturação caindo de ≥ 95% para < 92% em ar ambiente;

  • Tosse seca súbita, ocasionalmente seguida de escarro rosado espumoso (início de edema alveolar);

  • Febre de baixo grau (pode ocorrer em até 30% dos casos);

  • Hipotensão leve ou queda de pressão sem explicação (em 15% dos casos);

  • Ausência de sinais de congestão venosa, turgência jugular ou crepitações evidentes na ausculta precoce.

Esta fase inicial, se ignorada, evolui rapidamente para hipoxemia grave.


2. Ponto Limítrofe para Definição do TRALI Instaurado

O TRALI é considerado estabelecido clinicamente no momento em que se observam os seguintes critérios simultâneos:

  1. Hipoxemia documentada: PaO₂/FiO₂ ≤ 300 mmHg ou SpO₂ < 90% persistente mesmo após oxigenoterapia;

  2. Imagem com infiltrado pulmonar bilateral novo (raio-X ou TC);

  3. Início dentro de 6 horas após transfusão, sem outra causa plausível;

  4. Ausência de sinais de sobrecarga circulatória (BNP normal, PCP normal);

  5. Refratariedade ao uso de diuréticos em tentativa de manejo empírico para TACO.

Este é o ponto de ruptura clínica entre a suspeita e a instalação do TRALI verdadeiro — é o momento-chave para decisão de suporte intensivo.


3. Protocolo Clínico Seguro de Encaminhamento ao Suporte Intensivo

3.1 – Indicação Imediata para UTI ou Sala de Emergência Avançada:

  • SpO₂ < 90% em O₂ por máscara facial ≥ 6 L/min

  • PaO₂/FiO₂ < 200 mmHg

  • Sinais de falência respiratória iminente (tiragem intercostal, uso de musculatura acessória, confusão)

  • Radiografia com infiltrado bilateral em 2/3 de campo pulmonar

  • Queda da pressão arterial sistólica > 30 mmHg ou PAS < 90 mmHg

  • Rebaixamento do nível de consciência ou letargia associada à hipoxemia

3.2 – Condutas Imediatas no Local (antes da transferência):

  • Suspensão imediata da transfusão

  • Administração de O₂ em alto fluxo via máscara reservatória (FiO₂ ≥ 0,6)

  • Avaliação laboratorial imediata: gasometria arterial, BNP, hemograma, PCR

  • Solicitação de radiografia ou tomografia

  • Contato com UTI e preparo para intubação, caso indicado

  • Coleta de amostra da bolsa transfundida e notificação à Agência Transfusional

3.3 – Condutas no Ambiente de Terapia Intensiva:

  • Intubação orotraqueal com proteção pulmonar (tidal volume 6 mL/kg)

  • Monitorização invasiva (PAI, PVC, SvO₂ se disponível)

  • Suporte hemodinâmico com cristaloides apenas se hipotensão refratária

  • Não usar diuréticos exceto para controle de balanço hídrico negativo moderado

  • Avaliação de necessidade de sedação, bloqueio neuromuscular e pronação precoce

Nenhum corticoide ou antibiótico deve ser iniciado sem clara indicação clínica diferenciada.


4. Notificação e Investigação Sistêmica

  • Notificação interna obrigatória à Agência Transfusional e Comissão de Hemovigilância

  • Registro no Sistema NOTIVISA da ANVISA

  • Investigação do doador quanto à presença de anticorpos anti-HLA ou anti-HNA

  • Alerta aos demais receptores de componentes do mesmo doador


5. Referências Científicas

  1. ISBT Working Party on Haemovigilance. TRALI Definitions and Diagnostic Criteria. ISBT, 2021.

  2. Popovsky MA. Transfusion Reactions. 4th ed. Bethesda: AABB Press; 2020.

  3. SHOT (UK). Annual Report 2022 – Serious Hazards of Transfusion. https://www.shotuk.org

  4. Toy P, et al. Transfusion-related acute lung injury: definition and review. Crit Care Med. 2005;33(4):721–726.

  5. Vlaar APJ, et al. Pathophysiology and Management of TRALI. Blood Reviews. 2021;45:100718. doi:10.1016/j.blre.2020.100718