Página 1 – Introdução Geral às Reações Transfusionais Graves

1.1 Conceito e Classificação das Reações Transfusionais

As reações transfusionais são eventos adversos clinicamente identificáveis que ocorrem durante ou após a transfusão de hemocomponentes. Elas podem variar de manifestações leves e autolimitadas até complicações graves com risco iminente de vida.

As classificações internacionais, como as da ISBT (International Society of Blood Transfusion) e AABB, dividem as reações transfusionais conforme dois critérios principais:

  • Quanto à origem:

    • Imunológicas: Reações hemolíticas, febris não hemolíticas, TRALI, anafilaxia

    • Não imunológicas: TACO, contaminação bacteriana, embolia gasosa, hemossiderose

  • Quanto ao tempo de aparecimento:

    • Agudas: Ocorrem nas primeiras 24 horas

    • Tardias: Surgem dias ou semanas após a transfusão

A correta classificação é fundamental para o diagnóstico, tratamento e prevenção de recorrências.

1.2 Importância Clínica e Epidemiológica

Embora a transfusão seja uma prática médica indispensável, ela não está isenta de riscos. Reações adversas transfusionais graves podem:

  • Aumentar o tempo de internação

  • Elevar custos hospitalares

  • Levar à necessidade de suporte intensivo

  • Em casos extremos, resultar em óbito do paciente

Epidemiologicamente, TRALI e TACO estão entre as principais causas de morte associadas à transfusão segundo os registros do SHOT (UK), AABB (EUA) e ANVISA (Brasil).

A subnotificação ainda é um problema relevante no Brasil e em vários países, dificultando o dimensionamento real do risco.

1.3 Consequências Médicas, Legais e Éticas

As reações transfusionais não são apenas eventos clínicos — elas têm impacto multidimensional:

  • Médicas:

    • Complicações agudas (ex.: insuficiência respiratória)

    • Sequelas a médio e longo prazo

    • Redução na confiança do paciente no cuidado institucional

  • Legais:

    • Responsabilização civil e ética em casos de negligência ou não notificação

    • Exigência de documentação adequada no prontuário e nos sistemas de hemovigilância

  • Éticas:

    • Obrigatoriedade do consentimento informado

    • Comunicação transparente com o paciente e familiares

    • Registro de evento adverso como direito à informação assistencial


1.4 Papel da Hemovigilância e da Notificação Imediata

A hemovigilância é um sistema de monitoramento contínuo de eventos adversos associados à transfusão, abrangendo:

  • Detecção precoce

  • Registro sistemático

  • Investigação técnica

  • Adoção de medidas preventivas

A notificação imediata de reações graves é obrigatória no Brasil, conforme orientações da ANVISA, e recomendada pela AABB e ISBT.

Importância da notificação:

  • Permite interromper imediatamente ciclos de transfusão inseguros

  • Garante rastreabilidade e prevenção de reexposição

  • Protege outros pacientes que possam ter recebido hemocomponentes do mesmo lote

  • Gera dados confiáveis para políticas públicas e protocolos de segurança

 Uma cultura institucional forte de hemovigilância salva vidas e previne reincidências.

 

4. QUADRO RESUMO – CLASSIFICAÇÃO DAS REAÇÕES TRANSFUSIONAIS

 

Tipo de ReaçãoTempoMecanismoExemplo
Hemolítica AgudaAgudaImunológicoIncompatibilidade ABO
Febril não hemolíticaAgudaImunológicoReação a leucócitos e citocinas
Alergia LeveAgudaImunológicoUrticária, prurido
TACOAgudaNão imunológicoSobrecarga volêmica pós-transfusão
TRALIAgudaImunológico/não imunológicoLesão pulmonar aguda
AnafilaxiaAgudaImunológicoPacientes IgA-deficientes
Contaminação bacterianaAgudaNão imunológicoSepsis por componente infectado
Hemólise TardiaTardiaImunológicoReativação de aloanticorpos
Púrpura pós-transfusionalTardiaImunológicoAnticorpos contra plaquetas
Doença enxerto vs hospedeiroTardiaImunológicoFatal, rara, em imunodeprimidos

5. PRINCIPAIS FONTES UTILIZADAS

  • ISBT – International Society of Blood Transfusion – www.isbtweb.org

  • AABB – Circular of Information for the Use of Human Blood and Blood Components – 2023

  • SHOT (Serious Hazards of Transfusion) Annual Report – UK, 2022

  • ANVISA – Boletins de Hemovigilância Brasil – www.gov.br/anvisa

  • WHO – Global Benchmarking Tool on Blood Safety

  • Roback JD et al. Technical Manual, 20th Edition, AABB 2020