
1. O que é uma reação transfusional
Uma reação transfusional (RT) é qualquer evento adverso inesperado, indesejável ou nocivo que ocorre em associação temporal e causal – confirmada ou presumida – com a transfusão de sangue total ou de qualquer hemocomponente.
CDC-NHSN (EUA): “todo sinal ou sintoma prejudicial que se manifeste durante a transfusão ou em período subsequente e não seja explicado por outra condição clínica” CDC
ANVISA (Brasil): “resposta clínica ou laboratorial anormal decorrente direta ou indiretamente da transfusão, independentemente da gravidade” Biblioteca Digital Anvisa
ISBT/AABB: recomenda avaliar imputabilidade (certeza de causalidade) e gravidade para cada evento.
2. Importância clínica
A transfusão é terapêutica essencial, mas não isenta de risco. RTs podem variar de manifestações leves e autolimitadas a quadros fatais, repercutindo na morbimortalidade hospitalar e nos custos assistenciais. Hemovigilâncias nacionais documentam incidências médias entre 0,5 % – 3 % das transfusões, com mortalidade atribuível estimada em < 1 : 100 000 componentes. No Reino Unido, o esquema SHOT registrou 3 652 RTs em 2023 (13,1 por 10 000 componentes) Serious Hazards of Transfusion.
3. Bases fisiopatológicas (visão geral)
Imunológicas – resposta humoral ou celular do receptor (ou doador) contra antígenos eritrocitários, leucocitários, plaquetários ou plasmáticos.
Não-imunológicas – sobrecarga volêmica, alterações físico-químicas do hemocomponente, contaminação bacteriana, erros de processo ou fatores mecânicos.
Temporalidade – eventos agudos (minutos a ≤ 24 h) versus tardios (dias a semanas); o esquema temporal orienta investigação e conduta, mas as sub-classificações detalhadas já estão descritas na página de Tipos e Classificações.
4. Magnitude do problema (epidemiologia)
Fonte de hemovigilância | Período / País | RTs/10 000 componentes | Principais causas de óbito |
---|---|---|---|
SHOT-UK 2023 | Reino Unido | 13,1 | TACO, TRALI |
CDC-NHSN 2022 | EUA | 10,8 (relatório anual) | TACO, reações hemolíticas |
ANVISA Hemovigilância 2023 | Brasil (dados parciais) | 7,4* | Erros ABO, TACO |
*Sub-notificação estimada; programas estaduais relatam cobertura < 60 % dos serviços.
5. Hemovigilância e segurança transfusional
Hemovigilância é um sistema organizado de vigilância ativa que abrange toda a cadeia “veia-a-veia”, com coleta, análise e retroalimentação de dados sobre eventos adversos, a fim de implementar melhorias contínuas de segurança Aplicativos da OMS.
Principais pilares:
Notificação imediata ao serviço de hemoterapia e aos órgãos regulatórios.
Investigação padronizada com classificação de imputabilidade e gravidade (matriz ISBT/AABB).
Ações corretivas e preventivas: revisão de protocolos, educação continuada e auditorias periódicas.
6. Reconhecimento precoce e conduta inicial (resumo)
Todo profissional que acompanhe uma transfusão deve ser capaz de:
Interromper a transfusão ao primeiro sinal suspeito.
Manter acesso venoso com solução fisiológica e monitorizar sinais vitais.
Comunicar imediatamente a equipe hemoterápica; enviar amostras pós-transfusão e devolver bolsas remanescentes para análise.
Instituir suporte clínico conforme o quadro (antitérmicos, expansores, oxigenoterapia, diuréticos, ventilação, etc.) seguindo protocolos institucionais.
7. Terminologia essencial
Evento adverso – ocorrência clínica desfavorável associada temporalmente à transfusão.
Reação transfusional – evento adverso cujo nexo causal com a transfusão é provável ou confirmado.
Imputabilidade – grau de certeza da relação causal (definitiva, provável, possível, improvável, não relacionada).
Gravidade – escala de dano ao paciente (graus 1 – 4 segundo ISBT/AABB).
Incidente – erro ou falha no processo que poderia ter causado dano (near miss).
8. Conclusão
Dominar estes conceitos gerais – definição, relevância epidemiológica e fundamentos fisiopatológicos – cria a base para prevenir, reconhecer precocemente e manejar com segurança as RTs. Os detalhes clínicos e classificações específicas encontram-se na página dedicada aos tipos de reação.
9. REFERÊNCIAS
AABB (2023) • CDC NHSN Hemovigilance Module (2024) CDC
• ANVISA (Guia de Hemovigilância, 2015) Biblioteca Digital Anvisa
• SHOT Annual Report 2023 Serious Hazards of Transfusion
• WHO Guide to Establishing a National Haemovigilance System (2016) Aplicativos da OMS
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