Fatores de Risco e Grupos Vulneráveis para TACO

 


1. INTRODUÇÃO: A IMPORTÂNCIA DA ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO

A prevenção do TACO começa antes mesmo da transfusão, com a avaliação rigorosa de fatores predisponentes. A identificação proativa dos pacientes de alto risco permite ajustes na conduta transfusional, como redução da velocidade de infusão, pré-medicação, ou mesmo reconsideração da indicação.

 Objetivo central: prevenir uma reação potencialmente fatal por meio da medicina transfusional personalizada.


2. CATEGORIAS DE FATORES DE RISCO

 A. Fatores Relacionados ao Paciente

FatorMecanismo de RiscoObservações Clínicas
Idade avançada (> 70 anos)Redução da complacência miocárdica, disfunção diastólica, volemia reduzidaFaixa etária responsável pela maioria dos casos de TACO
Neonatos / lactentes < 3 anosPequeno volume circulante, limiar estreito para sobrecargaTACO neonatal frequentemente subdiagnosticado
Insuficiência cardíaca congestiva (ICC)Capacidade de acomodação reduzida, sensibilidade à expansão volêmicaRisco aumentado mesmo em ICC compensada
Doença renal crônica (com ou sem diálise)Comprometimento da excreção hídrica e eletrólitosExige monitoramento pré e pós-transfusional
Hipoalbuminemia (< 2,5 g/dL)Diminuição da pressão oncótica → extravasamento de líquidosComum em pacientes com cirrose, caquexia, sepse
Doença hepática graveHipertensão portal, ascite, diluição plasmáticaMaior risco em pacientes cirróticos em descompensação
Doença pulmonar crônica (DPOC, fibrose)Reserva ventilatória comprometidaAumenta risco de descompensação respiratória
IMC < 18 ou desnutrição severaMenor capacidade de distribuição volêmicaComum em pacientes oncológicos

  B. Fatores Relacionados ao Procedimento Transfusional

FatorMecanismo de RiscoRecomendação
Volume transfundido > 15 mL/kgExpansão circulatória além da capacidade compensatóriaCuidado redobrado em pacientes com IMC baixo
Velocidade de infusão elevada (> 2 mL/kg/h)Sobrecarga aguda do sistema circulatórioReduzir para < 1 mL/kg/h em idosos ou DRC
Transfusão de múltiplos componentes em sequênciaAcúmulo progressivo de volume e eletrólitosIntervalos de ≥ 2h entre unidades em pacientes frágeis
Administração concomitante de fluidos IVSoma de volumes contribui para sobrecargaEvitar soro fisiológico em paralelo sem controle
Ausência de controle de balanço hídrico e peso corporalDificulta avaliação de volemia basalAferição pré-transfusional obrigatória em pacientes de risco

3. ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO PRÉ-TRANSFUSIONAL – ESCALA SUGERIDA

A seguir, uma proposta de escala simplificada de risco clínico para TACO, aplicável na rotina assistencial:

FatorPontuação
Idade ≥ 70 anos+1
ICC (NYHA II-IV)+2
DRC (TFG < 30 mL/min)+2
Albumina < 2,5 g/dL+1
Velocidade planejada > 2 mL/kg/h+2
Volume total planejado > 15 mL/kg+1
Transfusão múltipla (> 2 unidades)+1
Administração simultânea de fluidos+1
  • Risco Baixo: 0–2 pontos

  • Risco Moderado: 3–4 pontos → ⚠️ ajuste de protocolo necessário

  • Risco Alto: ≥ 5 pontos → ⚠️ avaliação médica obrigatória + estratégia de prevenção ativa


4. GRUPOS VULNERÁVEIS NA PRÁTICA TRANSFUSIONAL

  Pacientes Geriátricos

  • Resposta cardiovascular lentificada

  • Miocárdio mais rígido, maior sensibilidade à expansão volêmica

  • Frequentemente polimedicados (IECA, diuréticos, antiarrítmicos)

  Pacientes Pediátricos / Neonatais

  • Volume circulante muito pequeno (ex: 80 mL/kg no RN)

  • Reações mascaradas por sedação ou incubação

  • Necessidade de balança de precisão e bombas volumétricas

  Pacientes com Neoplasias e Caquexia

  • Albumina baixa, volemia reduzida

  • Comprometimento hepático e renal frequentemente coexistentes

  • Transfusões frequentes → risco cumulativo

  Pacientes Cirúrgicos e Críticos

  • Infusões paralelas em múltiplas bombas

  • Hipotermia, acidose e alterações eletrolíticas interferem na resposta cardiovascular

  • Necessidade de monitorização hemodinâmica contínua


5. ORIENTAÇÕES CLÍNICAS PRÁTICAS PARA PREVENÇÃO EM PACIENTES DE RISCO

  • Avaliar peso corporal real e estimado antes da transfusão

  • Solicitar albumina, creatinina, BNP se risco alto

  • Planejar transfusão fracionada (meia unidade, se possível)

  • Reduzir taxa para 1 mL/kg/h em idosos e pacientes renais

  • Monitorar PA, FC, SatO₂ e débito urinário durante a infusão

  • Considerar pré-medicação com diurético (furosemida EV) antes da transfusão em ICC/DRC


6. CONCLUSÃO

  • A estratificação de risco para TACO deve ser rotina nos serviços de hemoterapia

  • A individualização da conduta transfusional, com base no perfil do paciente, reduz drasticamente a incidência de TACO grave

  • A adoção de escalas de risco simplificadas e protocolos de prevenção dirigidos é medida custo-efetiva, segura e de alto impacto clínico


7. REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS

  • Popovsky MA. Transfusion Reactions. AABB, 4ª Ed.

  • Roback JD et al. Technical Manual, AABB, 20ª Edição

  • Gajic O et al. Crit Care Med. 2006; 34(4):1093–1099

  • ISBT. Working Party on Hemovigilance, TACO Prevention Guidelines (2022)

  • ANVISA. Hemovigilância – Boletins Técnicos 2022

  • Vlaar APJ et al. Blood Rev. 2019

  • Canadian Transfusion Reaction Guidelines – TACO Risk Stratification Tool (2021)

.