Prevenção e Protocolos Transfusionais para TRALI


1. Fundamentos da Prevenção

O TRALI é considerado uma das reações transfusionais imunomediadas mais graves, com alta mortalidade (5%–25%) e morbidade significativa. No entanto, ao contrário de outras reações, o TRALI pode ser substancialmente evitado por meio de medidas transfusionais preventivas específicas, desde a seleção do doador até o manejo clínico do receptor.

A prevenção do TRALI deve ser entendida como uma estratégia multidimensional, envolvendo:

  • Triagem imunológica do doador;

  • Seleção criteriosa dos hemocomponentes;

  • Protocolos clínicos de prescrição transfusional individualizada;

  • Educação profissional continuada e cultura de hemovigilância.


2. Estratégias de Prevenção Baseadas no Doador

2.1 – Exclusão de plasma de alto risco imunológico

Diversos países implementaram medidas eficazes com base na exclusão de doadoras com aloimunização por HLA ou HNA, sobretudo do sexo feminino com história gestacional:

 

Medida InstitucionalJustificativa
Evitar uso de plasma de mulheres multíparasAlto risco de presença de anticorpos anti-HLA/HNA
Utilizar plasma apenas de doadores masculinos ou nunca gestantesRedução comprovada de TRALI em mais de 70% nos países que adotaram
Testar doadoras quanto a anticorpos anti-HLA e anti-HNAPossibilita liberação segura mesmo de mulheres gestantes

Reino Unido, Canadá, Holanda e Austrália implementaram essas medidas com reduções drásticas de casos de TRALI documentadas em seus sistemas nacionais.

2.2 – Direcionamento de hemocomponentes com menor risco

  • Utilizar concentrado de hemácias em solução aditiva, com plasma minimizado;

  • Preferência por plaquetas de aférese em solução com PAS (Plasma Substituto Aditivo);

  • Selecionar doadores com histórico transfusional negativo para casos especiais (ex: transplantes, imunossuprimidos).


3. Estratégias Clínicas no Receptor

3.1 – Avaliação pré-transfusional individualizada

Pacientes com risco aumentado de TRALI incluem:

  • Receptores de plasma ou plaquetas (componentes com maior volume de anticorpos circulantes);

  • Pacientes críticos, com inflamação sistêmica ou sepse (prontos para o “segundo impacto”);

  • Politraumatizados, queimados ou em ventilação mecânica não invasiva;

  • Neonatos e gestantes com disfunção pulmonar.

3.2 – Protocolos preventivos na prescrição

  • Utilizar o menor volume necessário de hemocomponentes;

  • Avaliar alternativas à transfusão (ex: eritropoetina, ácido tranexâmico, fatores hemostáticos);

  • Reduzir exposição cumulativa em pacientes politransfundidos;

  • Considerar o uso de filtros de leucorredução e irradiação, quando indicados.

3.3 – Monitoramento clínico ampliado

  • Realizar avaliação respiratória detalhada antes, durante e após a transfusão;

  • Observar: FR, SpO₂, tiragem, presença de dispneia ou tosse;

  • Em pacientes instáveis, prescrever transfusão em ambiente monitorado com equipe treinada para reconhecer TRALI precoce.


4. Medidas Adicionais e Protocolos Internacionais

 

Estratégia ImplementadaPaís / InstituiçãoImpacto Mensurado
Exclusão de plasma feminino multíparaReino Unido (desde 2004)Redução > 75% nos casos de TRALI
Testagem sistemática de anticorpos HLA/HNACanadá e AustráliaRedução de mortalidade por TRALI
Substituição por PAS em plaquetasAlemanha e HolandaQueda significativa de eventos pulmonares
Alerta eletrônico para risco de TRALICentros universitários dos EUADiagnóstico mais precoce e redução de óbitos

5. Integração com a Hemovigilância

A prevenção do TRALI só é plenamente eficaz se acompanhada de:

  • Registro sistemático de reações suspeitas

  • Investigação laboratorial imunológica do doador

  • Rastreamento dos receptores expostos

  • Revisão contínua dos protocolos de triagem de doadores

  • Inclusão do risco de TRALI no consentimento informado transfusional


6. Referências

  1. ISBT Working Party on Haemovigilance. TRALI Prevention Guidelines. International Society of Blood Transfusion, 2021.

  2. AABB. Technical Manual. 20th ed. Bethesda, MD: AABB Press; 2020.

  3. SHOT UK. Annual Report 2022 – Serious Hazards of Transfusion. https://www.shotuk.org

  4. Popovsky MA. Transfusion Reactions. 4th ed. Bethesda: AABB Press, 2020.

  5. Peters AL, Van Stein D, et al. Reducing the incidence of TRALI by donor selection: a review. Vox Sang. 2019;114(1):12–23.

  6. Eder AF, et al. A comparison of transfusion reactions in male-only versus female plasma programs. Transfusion. 2010;50(7):1400–1405.